segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sentir-se bem em família: um desafio frente à diversidade




Resumo – No presente trabalho, discutimos acerca das crises da família, apresentando informações que demonstram a diversidade de configurações familiares existentes no contexto brasileiro atual, tais como separações, divórcios, uniões consensuais, casais sem filhos, recasamentos, dentre outras. Desse modo, refletimos acerca da crise do modelo tradicional de família e não da instituição família, questionando: Como sentir-se bem em família frente a tal pluralidade? Sugerimos, então, alguns aspectos que devem ser observados para atender as demandas dessas novas famílias e, conseqüentemente, promover a saúde de seus membros.

Palavras-chave – Novas configurações familiares. Diversidade; Família; Crise.

Há poucas décadas, não existiam dúvidas para responder a pergunta: Quem é da tua família? Os laços de consangüinidade e parentesco eram parâmetros que definiam com precisão a configuração familiar da maioria das pessoas. Com o passar do tempo, determinados fenômenos sócio-políticos e o avanço da tecnologia, entre outros, trouxeram maiores níveis de complexidade na definição da configuração do grupo familiar.

O número crescente de notícias sobre os novos arranjos familiares que têm surgido na mídia nos últimos tempos, por exemplo, revela uma nova realidade e questiona o modelo clássico da família nuclear intacta como preponderante no nosso contexto. Não são escassas reportagens nas revistas de grande circulação nacional tais como Veja, Isto é e Época, que dedicam espaços de destaque para temáticas que sugerem o aparecimento de novos arranjos e alertam para a complexidade das relações familiares que advém dessa diversidade. Metade “das famílias brasileiras já não segue o modelo tradicional de pai, mãe e filhos de um único casamento”.as dificuldades, as alternativas de melhor convivência e histórias peculiares dos distintos tipos de família é que tem composto o cenário brasileiro. São muitas dúvidas e, principalmente, insegurança no que se refere ao futuro da família. Os casamentos e às separações/divórcios, têm contribuído fortemente para o aumento da diversidade na configuração e estrutura dos núcleos familiares. Por isso a redução de casamentos oficiais na população em geral, apenas uniões consensuais “sem papel passado.” Também constata-se que maiores níveis de desenvolvimento aparecem associados à diminuição da prole familiar.confirmando assim maior nível de escolaridade da mulher, e menor número de filhos.A diminuição no número de casamentos e o aumento de divórcios e separações também incrementam o fenômeno da diversidade dos arranjos familiares. E ai cresceu a união de solteiros e divorciados, mulheres solteiras que se casam com homens divorciados enquanto mulheres divorciadas se unem legalmente com homens solteiros. Os casamentos entre cônjuges divorciados também aumentaram, mas mesmo assim, ainda é grande o número de mulheres que criam seus filhos sozinhos aumentando o número de famílias chefiadas por mulheres, resultando em um aumento que sugere uma mudança de padrão na caracterização das famílias: a figura do provedor e/ou responsável não aparece mais atrelada ao sexo masculino, especialmente nas regiões metropolitanas, onde o acesso à informação e ao mercado de trabalho é mais favorável para as mulheres. Todas essas informações compõem um panorama muito diferente daquele que se vislumbrava no tempo em que o casamento era um contrato irrevogável, uma sociedade indestituível e havia uma clara diferença e divisão de funções e papéis de homem e mulher no seio da família.

Passadas três décadas da aprovação da lei do divórcio, são evidentes as mudanças que a família tem sofrido principalmente no que se refere à sua configuração e estrutura. Quanto à configuração, que diz respeito aos elementos/personagens que compõem o núcleo familiar, já não é tão simples identificar e classificar aqueles que “são da família”. Quanto a sua estrutura, que se refere aos aspectos relativos às regras, ao poder, aos limites e aos contratos de convivência, em muitas famílias existe tal falta de definição de fronteiras, que se encontram acéfalas de liderança paterna/materna e com muita dificuldade de estabelecer limites e hierarquias entre os seus membros.
Frente a tais evidências e apelos recebidos na mídia de forma tão freqüente, se poderia refletir, então: existe uma crise da família?

Ainda que essa possa ser uma idéia que tem perpassado muitas instâncias sociais e se faz presente no discurso de pessoas preocupadas com o futuro da família, pesquisadores e profissionais que vem trabalhando na orientação e terapia familiar observa que, mesmo com diferente aspecto, a família segue sendo um espaço privilegiado no qual se encontram as diretrizes mais importantes para orientar-se na vida. “a situação atual obriga a uma análise da realidade das famílias no mundo moderno, sem estigmatizar nem julgar, já que existe uma crise do modelo tradicional de família, mais do que uma ‘crise da família”.

As evidências indicam que a família já não pode ser vista e pensada unicamente a partir do modelo nuclear tradicional. Entretanto, deparamo-nos com a falta de paradigmas explicativos do funcionamento de tal diversidade familiar. A realidade tem gerado uma demanda crescente de novas alternativas de estabelecimento de regras de funcionamento familiar e social, que favoreçam a estes novos núcleos seguir cumprindo com a sua função básica de proteção, cuidado e desenvolvimento dos filhos.
No que se refere aos aspectos legais, observa-se, por exemplo, que no código civil de 1916, “família legítima” era aquela definida apenas pelo casamento oficial. Atualmente, a definição abrange as unidades formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendentes (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988. Art. 226, § 4º). O Novo
Código Civil (2002) reconhece a união estável e o casamento passa a ser “a comunhão plena pela vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (art. 1511). Essa é apenas uma das formas de se constituir uma família. Paralelamente, os filhos adotados e concebidos fora do casamento têm direitos idênticos aos nascidos dentro do matrimônio
A lei do divórcio de 1977 atribuía a guarda dos filhos ao cônjuge que não tivesse provocado a separação ou, não havendo acordo, à mãe. Hoje, é concedido a “quem revelar melhores condições de exercê-la” (CÓDIGO CIVIL, 2002, Artigo 1584). Nesse caso, a família é dirigida pelo casal e não mais apenas pelo homem. O “pátrio poder” que o pai exercia sobre os filhos passa a ser “poder familiar” e é atribuído também à mãe.

Como, então, sentir-se bem em família frente a tal pluralidade? Poderíamos pensar naqueles aspectos que são fundamentais para que a família siga cumprindo seu papel e função como principal célula social, independentemente de como ela se componha. Nesse caso, o resgate e fortalecimento do vínculo entre pais e filhos é um aspecto essencial nesse processo. Manter uma hierarquia capaz de preservar a relação de cuidado, proteção e amor para com seus filhos, tem grande potencial para reorganizar-se de forma mais exitosa.
Fatores como a manutenção da harmonia entre os pais, (independentemente de manterem-se ou não vivendo conjugalmente), o tempo dedicado aos filhos, o estilo de vida dos progenitores, a presença ou ausência de um projeto de vida familiar, potencializam a família na formação de hábitos, atitudes e valores dos seus filhos. Conclui-se então que uma família com consistência ideológica e emocional sólida é o agente mais potente de socialização dos filhos. Esse, seguramente, é o maior patrimônio que pode ser deixado a um filho, pois lhe favorecerá o fortalecimento pessoal frente às crises evolutivas e do cotidiano. Assim, mais importante que a sua estrutura e configuração, a família é o palco em que se vive as emoções mais intensas e marcantes da experiência humana. É o lugar onde é possível a convivência do amor e do ódio, da alegria e da tristeza, do desespero e da desesperança. A busca do equilíbrio entre tais emoções, somada às diversas transformações na configuração deste grupo social, têm caracterizado uma tarefa ainda mais complexa a ser realizada pelas novas famílias. Por isso, provavelmente, o maior desafio para aqueles que se propõem a trabalhar com a diversidade dos núcleos familiares é favorecer aos seus membros que esses núcleos sejam espaços de bem-estar para todos. Eis aí uma tarefa complexa e essencial que, se realizada com êxito, certamente contribuirá para a construção de relações interpessoais muito mais humanas e solidárias.












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