Paulo Ramos
Curso de Especialização em Educação Infantil
Resumo
O presente artigo aborda, mediante pesquisa bibliográfica e de campo, a possibilidade de organizar o trabalho pedagógico utilizando a metodologia de projetos. Procura relacionar a vivência de um projeto interdisciplinar trazendo as vantagens de sua utilização em sala de aula, assim como as aprendizagens significativas que a criança adquire ao ser co-participante nesse processo.
INTRODUÇÃO
A educação é um processo contínuo que ultrapassa os limites da instrução e a simples aquisição de conhecimentos. Envolve, além do desenvolvimento da autonomia moral e intelectual, respeito, cooperação, independência, raciocínio e capacidade de responder e resolver novas situações. São essas algumas das habilidades e competências que esperamos da criança no mundo em que vivemos.
E, para que tais habilidades e competências sejam desenvolvidas, precisamos conceber o processo de ensino-aprendizagem de maneira diferenciada da qual estamos habituados a fazer. Neste sentido, os Projetos de Trabalho podem ser a melhor forma de tornar a escola um local onde ocorra reflexão acerca dos assuntos estudados e desenvolva o pensamento crítico, pois é um processo que desencadeia pesquisa, análise e criação de novas idéias. Muda a maneira de pensar a escola, o ato pedagógico, os espaços e tempos escolares.
Esta proposta está vinculada à perspectiva do conhecimento globalizado e constitui uma forma interessante de proporcionar o encontro dos alunos com os conteúdos escolares. Desta forma, a aprendizagem se torna significativa, principalmente para crianças na faixa etária de 4 a 6 anos, pois é partindo do que as mesmas já sabem que podemos ajudar na construção de competências que auxiliam na compreensão do que se passa no mundo e de competências e conteúdos não só como saber escolar, mas para a vida e como possibilidade de ação transformadora da sociedade.
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo aprofundar o tema sobre Projetos de Trabalho e interdisciplinaridade, já que ambos têm muito em comum, levando
a perceber que as propostas mencionadas (projetos de trabalho e interdisciplinaridade) são algumas das formas mais coerentes de socializar os conhecimentos adquiridos durante o processo com a comunidade escolar. Seria errôneo trabalhar com a metodologia de projetos e conceber o conhecimento escolar de forma fragmentada.
APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
VIVÊNCIA DE UM PROJETO INTERDISCIPLINAR
Sendo a criança um ser global, ou seja, um ser provido de aspectos físicos, cognitivos, emocionais e sociais, que interage com o meio onde vive, é necessário oportunizar a ela o desenvolvimento total de suas potencialidades sócio-afetivas, físicas e cognitivas para que se torne cidadã e exerça seus direitos.
Para atender a essa perspectiva, é necessário substituir a ação pedagógica fragmentada, descontextualizada e sem sentido para a criança por uma escola que acompanhe as mudanças sociais vigentes, redefinindo, assim, o discurso sobre o saber escolar, tornando-o mais significativo e fazendo com que o aluno não sinta diferença entre a vida exterior e a vida escolar.
Segundo Barbosa (1998, p.20), espera-se que as crianças
“[...] entrem em contato, de uma forma mais organizada, com a herança da sociedade em experiências de trabalho e da vida cotidiana.”
Hernández (1998) utiliza a nomenclatura Projeto de Trabalho, definindo-o como uma concepção de ensino-aprendizagem inovadora e criativa que auxilia o educando a construir sua própria identidade e seus conhecimentos.
Os Projetos de Trabalho permitem um percurso flexível que pode ser readaptável e servir como fio condutor para a atuação docente em relação aos alunos. Porém, os projetos não são as mudanças, as respostas, a solução para os problemas das instituições
Escolares, mas podem e devem contribuir para a mudança na postura do professor e repercutir com mudanças no sistema.
Hernández (1998, p. 75) não considera Projetos de Trabalho uma metodologia, pois, em sua “Concepção filosófica, método se entende como uma maneira concreta de proceder, de aplicar o pensamento, de levar a termo uma pesquisa, etc., com a finalidade de conhecer a realidade [...] de interpretar os dados da experiência da questão, de resolver um problema, uma questão [...]”
UM POUCO DE HISTÓRIA
Os projetos, que podem ser considerados uma prática educativa, foram reconhecidos em diferentes períodos. Hernández, (1998), em seu livro Transgressão e Mudança na Educação, nos relata como tudo começou.
Em 1919, Kilpatrick levou para a sala de aula algumas idéias de Dewey, de maneira especial, a idéia de resolver problemas como fio condutor entre as diferentes concepções sobre projetos. Um autor americano, em 1934, registrou 17 interpretações
diferentes do método de projetos. Em 1934, Fernando Sáinz, professor dos movimentos renovadores espanhóis, enunciou um elemento central do método de projetos que pretendia fazer com que o aluno não sentisse diferença entre a vida exterior e a vida escolar, ou seja, os projetos deveriam estar próximos à vida cotidiana do aluno e relacionados ao seu momento social e cultural. Ele se opunha à escola compartimentada, já criticada por Dewey desde 1910. Com a virada do século XIX para XX, houve um movimento que muito influenciou a pedagogia por projetos - a Escola Nova mais especificamente com Ovide Decroly (1871-1932), Maria Montessori (1870-1952) e John Dewey (1859-1952) que, em suas diferentes visões, tinham um ponto em comum: a crítica à Escola Tradicional. Esses autores eram contra a função social que era atribuída à escola tradicional e ao papel do educador e do educando, assim como a organização do trabalho pedagógico.
A partir da 2a Guerra Mundial, durante 30 anos, as idéias de Sáinz permaneceram “congeladas no imaginário educativo”. Voltaram a emergir nos anos 60 quando a política social exigiu novas alternativas educativas e sociais. Em meados dos anos 60, produziu-se um segundo fluxo de interesse pelos projetos com o nome de Trabalho por Temas. Nessa época, Bruner “estabeleceu que o ensino deveria centrar-se em facilitar o desenvolvimento de conceitos-chave a partir de estruturas das disciplinas. Os projetos ou o trabalho por temas constituíram uma alternativa para abordar essa proposta na sala de aula.” (HERNÁNDEZ, 1998, p.69).
O ensino por Centro de Interesse, a pesquisa do meio, as idéias de Freinet e a aproximação das distintas matérias à experiência dos alunos deram origem aos movimentos sociais de renovação pedagógica devido à descoberta da importância da aprendizagem como poderosa influência na aquisição de novos conhecimentos.
Os anos 80 foram marcados pelo auge do Construtivismo e dos Projetos de Trabalho que tinham a preocupação com a maneira como se ensina e como se aprende na escola. Além disso, houve a preocupação em situar o educando no contexto da aprendizagem, promovendo, assim, um vínculo entre alunos e comunidade. Por meio da Teoria das Inteligências Múltiplas, Gardner influenciou o modo de pensar no processo de planejamento, segundo o qual a aprendizagem não se contempla como uma seqüência
de passos para alcançar uma meta, mas como um processo complexo. Atualmente, voltou-se a repensar as concepções de projetos. Entretanto, também se percebe que este repensar não implica retomá-los do mesmo modo como a Escola Nova os tratava, mas sim, ressignificá-los, dando-lhes uma nova face, que inclui o contexto sócio-histórico e não apenas o ambiente imediato.
. O QUE É UM PROJETO?
Toda instituição de educação possui um currículo e desenvolve a organização do trabalho pedagógico baseando-se nele. Acreditamos que o currículo da Educação Infantil manifesta-se concretamente através das atividades planejadas pelos educadores
e oferecidas às crianças. No planejamento, o educador expressa os objetivos de sua prática educativa, os métodos utilizados e a modalidade de avaliação adotada.
Segundo Ostetto (2000), os modelos mais comuns de planejamento adotados nas instituições brasileiras de Educação Infantil são:
•Listagem de atividades: consiste em listar as atividades a serem cumpridas durante os vários momentos da rotina, o que geralmente proporciona longos momentos de espera pela criança entre uma atividade e outra, sendo que estas são planejadas pelo adulto que a atende sem que exista muita expectativa do mesmo em atender às necessidades da criança.
• Datas comemorativas: geralmente compostas por festejos dedicados a marcar as várias datas do calendário comemorativo (Carnaval, Páscoa, Dia das mães, etc.).
• Planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento: influenciado pela Psicologia do Desenvolvimento, este tipo de planejamento procura contemplar todas as áreas do desenvolvimento infantil (psicomotor, afetivo, cognitivo, social, etc.). As atividades são selecionadas de acordo com o valor que possam ter para o desenvolvimento da criança.
• Temas geradores/centros de interesse: são elencados temas semanais, supostamente interligados um ao outro, para serem trabalhados em todas as turmas de uma instituição. Parte do pressuposto de que os “temas” despertam os interesses de todas as turmas envolvidas, do ‘maternal’ ao “pré”. O objetivo deste modelo pedagógico é ampliar os conhecimentos das crianças, alargando o seu universo cultural.
• Conteúdos/áreas do conhecimento: podemos citar como exemplo deste tipo de planejamento o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) e o
Currículo para a Educação Básica no DF – Educação Infantil/4 a 6 anos, pois ambos dividem as atividades a serem desenvolvidas em Formação Pessoal e Social, Conhecimento de Mundo, Linguagem Oral e Escrita, Conhecimento Lógico-Matemático e Natureza e Sociedade.
• Projetos de Trabalho: o Projeto de Trabalho parte dos interesses e necessidade apresentados pelos próprios alunos; por isso, nem sempre todas as turmas de uma escola desenvolvem o mesmo projeto. Desse modo, respeitam-se as características de cada grupo, bem como as particularidades de cada indivíduo e se leva em conta o contexto sócio-histórico onde estão inseridos. Mas, o que vem a ser um projeto? Um projeto é,
Segundo Antunes (2001, p.15), uma pesquisa ou uma investigação, mas desenvolvida em profundidade sobre um tema ou um tópico que se acredita interessante conhecer.
O projeto parte de uma proposta que os educadores definem após um contato inicial com as crianças e o seu meio ambiente (social, cultural, histórico, geográfico), procurando atender às necessidades constatadas, transformando a escola em um espaço de vivências.
A escolha do tema de um projeto pode surgir de diversas situações. Alguns temas surgem nas relações que se estabelecem entre as crianças e o professor e de ambos com o conhecimento na sala de aula. Alguns também surgem de uma curiosidade intelectual
das crianças e outros da necessidade de se realizarem certas etapas.
Segundo Barbosa e Horn (1999, p. 30), a escolha pode surgir das experiências anteriores das crianças, a partir das experiências anteriores despertadas por algum projeto já realizado ou que ainda esteja em andamento. O importante é que cada tema de projeto seja apresentado para o grupo com uma argumentação, que dará a base para a seleção dos mesmos, em grande grupo que pode ser feito pelos critérios da necessidade, da relevância e do interesse do mesmo.
É preciso estar atento aos comentários, atitudes, enfim, interesses do grupo, pois segundo Madalena Freire (1997, apud HOFFMANN, 2000, p.74), “Ver é buscar, tentar compreender, ler desejos. Através do seu olhar o educador também lança seus
desejos para o outro” . Na perspectiva dos Projetos de Trabalho, o currículo é
Focado em temas, observando o conhecimento como um todo e não em partes fragmentadas porque o conhecimento é sempre inteiro. O currículo, na perspectiva de projetos, deve estabelecer relações do conhecimento com ênfase social, cultural e histórico.
Os Projetos de Trabalho requerem uma organização mais complexa, uma maior compreensão das matérias e dos temas em estudo, sendo que o professor atua mais como orientador do que como autoridade.
Quanto ao planejamento, Madalena Freire (1997, apud HOFFMANN, 2000) exemplifica que, antes mesmo do planejamento no trabalho por projetos, o professor deve fazer uma avaliação inicial para diagnosticar necessidades, dúvidas e curiosidade em relação aos seus alunos.
No planejamento, o professor deve facilitar os materiais e atividades adequadas ao educando. Segundo Madalena Freire (1997, apud HOFFMANN, 2000, p.74), “trabalhar com projetos exige uma reflexão constante, e é através dela que podemos avaliar todos os passos planejados e já realizados, para dar seqüência às próximas ações.”
A avaliação, na perspectiva de projetos, deve ser contínua entre professor e aluno. Deve ser feita a partir do reencontro com a situação-problema para que se consiga diagnosticar o que realmente foi feito, para se refletir sobre o que foi trabalhado e o que
poderia ter sido diferente, resultando, assim, um crescimento recíproco na totalidade. Com base nessas concepções de currículo, planejamento e avaliação, segundo Madalena Freire (1997, apud HOFFMANN, 2000), o papel do educador é o de ser provocador e investigador do aluno, buscando na investigação um meio de replanejar o que está sendo trabalhado, não querendo, em momento algum, intervir no fazer do aluno. Ao professor cabe avaliar seus passos e o que vem acontecendo no decorrer do processo, deixando que as mudanças ocorram de forma democrática e construtiva. E quanto
ao aluno, cabe a ele agir de forma que busque o amplo conhecimento, pesquisando, colaborando para a reformulação dos projetos, sendo sujeito ativo de sua história. Deve ser crítico promovendo o desenvolvimento mútuo e contínuo.
. E COMO FICAM OS CONTEÚDOS E A APRENDIZAGEM?
A sala de aula, através da experiência com projetos, deixa de ser o único lugar de aprendizagem, abrindo possibilidades para uma nova lógica do uso do tempo e do espaço escolar. O trabalho com projetos traz uma nova perspectiva para entendermos o processo de ensino/aprendizagem. Para Leite, (1998, p.75), “aprender deixa de ser um simples ato de memorização e ensinar não significa
mais repassar conteúdos prontos.” De acordo com essa postura, todo conhecimento é construído em estreita relação com o contexto em que é utilizado, sendo, por isso mesmo, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse processo.
A formação dos alunos não pode mais ser pensada apenas como uma atividade intelectual. É um processo global e complexo em que conhecer e intervir no real não se encontram dissociados. Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimentos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só pelas respostas dadas, mas principalmente pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação desencadeada. (LEITE, 1998, p.78).
A Pedagogia de Projetos traduz uma determinada concepção de conhecimento escolar, trazendo à tona uma reflexão sobre a aprendizagem dos alunos e os conteúdos das diferentes disciplinas. Isso não quer dizer que devamos esquecer completamente os conteúdos da grade curricular, pois estes são muito relevantes e devem estar presentes em qualquer ambiente escolar. Dessa forma, quando dizemos que ensinamos a nossos
educandos conteúdos significativos, estamos dizendo que ensinamos aquilo que está relacionado à realidade deles, ou seja, aquilo que possui extrema relevância para eles. E cabe ao educador tornar cada conteúdo ainda mais relevante, pois será através do sucesso de sua prática pedagógica, juntamente com o interesse de cada educando, que se dará continuidade ao processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim, conforme Warschauer (1993, p.32), “não há conteúdo sem forma, nem forma sem conteúdo. Assim como não há prática pedagógica neutra, porque também não existe educação sem compromisso, sem conteúdo. Existe conteúdo sempre, mesmo que de forma não muita clara”. Por isso, podemos dizer que os conteúdos, para serem significativos, devem fazer parte da prática do professor, quer dizer, através da criatividade do mesmo é que eles se tornarão significativos. Porém, não podemos esquecer que todos os conteúdos devem ser construídos, ou seja, educador e educandos devem dar significado a eles. Vale ressaltar, ainda, que cabe ao educador tornar, “dar
sentido” aos conteúdos, pois, nem sempre, os mesmos são significativos para os educandos. Todavia, o maior objetivo do educador é torná-los assim. No entanto, podemos afirmar que o educador deve trabalhar os conteúdos de forma a acrescentar conhecimentos com significação total para a criança e dar ainda mais sentido ao que ela já construiu ou já sabe.
Portanto, de acordo com Lima (2004), a aprendizagem deve começar pelos acontecimentos em que os alunos estão envolvidos (suas “crenças” prévias) cujo significado procuram construir. Para se poder ensinar bem é necessário conhecer os modelos mentais que os alunos utilizam na compreensão do mundo que os rodeia e os pressupostos que suportam esses modelos Aprender é construir o seu próprio significado e não encontrar as “respostas certas” dadas por alguém.
. VIVÊNCIA DE UM PROJETO INTERDISCIPLINAR
Vamos observar um Projeto Interdisciplinar desenvolvido por uma turma de crianças na faixa etária de 4 a 6 anos envolvendo toda uma comunidade escolar. As crianças são curiosas e interessadas por coisas concretas. O Projeto envolve, principalmente, o meio físico e o social no qual estão inseridas. Inserido em um contexto de inquietude, esse trabalho nasceu. Não podemos deixar de mencionar que a interdisciplinaridade foi um dos ingredientes imprescindíveis no trabalho com essas crianças, já que conteúdos prontos e fragmentados eram dispensados por caras feias.
Primeiramente, para essa apresentação, pretendemos recuperar os fundamentos para compreender melhor a prática interdisciplinar. Para tanto, faz-se necessário rever alguns fundamentos que constituem uma reflexão indispensável no sentido de nos capacitarmos e nos envolvermos com a interdisciplinaridade, conforme a experiente educadora Ivani Catarina Arantes Fazenda (1991), que muito tem contribuindo com reflexões sobre este tema.
A interdisciplinaridade, segundo Fazenda (1991), é atitude interdisciplinar, uma atitude frente a alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera frente aos atos não consumados; atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo,
ao diálogo com pares anônimos ou consigo mesmo; atitude de humildade frente à limitação do próprio saber; atitude de perplexidade frente a desvendar novos saberes; atitude de desafio em redimensionar o velho; atitude de envolvimento com os projetos
e com as pessoas neles envolvidas; atitude pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível; atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro; enfim, de vida. E foi a partir de estudos realizados que percebemos o Projeto de Trabalho como uma forma interessante de planejar em
Educação Infantil. Uma forma que privilegia olhar a criança, sua expressão, seu questionamento, seu silêncio e o planejamento não como uma mera formalidade, mas como um instrumento para ouvir outras linguagens, para conhecer as crianças. As palavras de Junqueira Filho (1994, p. 29) vêm complementar esse pensamento
quando nos diz que um projeto interdisciplinar de trabalho ou de ensino consegue captar a profundidade das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. Nesse sentido, precisa ser um projeto que não se oriente apenas para o produzir, mas que surja espontaneamente, no suceder diário da vida, de um ato de vontade.
Quando trabalhamos interdisciplinarmente, conseguimos atingir muito mais os conhecimentos que os alunos já trazem de casa, pois esse tipo de projeto não trabalha sob forma de fragmentação, mas na sua totalidade e profundidade. E é algo que
não é exposto para o aluno, mas que, todavia, surge de forma espontânea em sala de aula, como algo natural, dependendo da necessidade da turma com a qual estamos trabalhando Portanto, partindo das reflexões colocadas por Fazenda e
Junqueira Filho e das inquietudes que acompanham um educador no dia-a-dia de sua prática, foi que observamos o interesse e a curiosidade das crianças acerca do mundo onde vivem, principalmente no Centro de Educação Infantil em que passam boa
parte do dia. Em suas brincadeiras, diariamente, a favorita era subir e descer das árvores que existem no pátio, assim como brincar embaixo de suas copas. Em suas brincadeiras, muitas vezes observaram a árvore e conversaram a respeito de sua importância
e de como ela se modifica durante o ano. Justamente naquela época, a árvore estava perdendo suas folhas, e isso deixou as crianças aflitas e intrigadas, já que cuidavam na hora de subir nela. Diante das aflições das crianças, a sugestão foi fazer um levantamento dos conhecimentos prévios que já tinham a respeito das árvores e plantas em geral. As crianças falaram o que já sabiam e o que gostariam de saber. Essas falas foram registradas pela professora. E conforme o Projeto se encaminhava as certezas
e as dúvidas foram se modificando . Podemos dizer que, naquele momento, nasceu um Projeto que chamamos de “POR QUE PLANTAMOS PLANTAS?” As nossas certezas provisórias eram:
As plantas crescem e precisam de água e de terra;
As flores servem para enfeitar a nossa casa;
As plantas servem para comer;
No planeta Terra tem planta.
A árvore perde suas folhas para nascerem novas no lugar.
E as nossas dúvidas temporárias:
Por que a árvore é verde?
Para que serve a flor?
Por que plantamos plantas?
É visível, nessas falas, que as crianças trouxeram para a
sala não só o fruto de suas próprias observações sobre o mundo
que as cerca, como também informações que receberam dos adultos
e de outras fontes, como televisão, jornais, revistas, livros, etc.
Dando continuidade, buscamos novas fontes que pudessem esclarecer nossas dúvidas sobre o assunto; parcerias com as famílias também foram feitas, solicitando alguns livros, reportagens, figuras. Porém, para ampliar ao máximo as vivências e experiências
das crianças, planejamos com elas uma visita à biblioteca do Centro de Educação Infantil. A culminância do Projeto era construir uma horta e fazer uma sopa de hortaliças utilizando, para isso, as verduras plantadas.
Na biblioteca, houve momentos e situações de interação com a leitura e a escrita durante os quais as crianças manusearam, conheceram, leram livros de literatura, histórias, livros velhos e novos, finos e grossos, infantis, etc., cartazes, etiquetas das paredes
e das prateleiras, sentindo-se capazes, o que lhes deu coragem para avançar.
Após várias atividades, leituras, músicas e discussões que ressaltaram a importância das plantas para o planeta Terra, foi feito um texto coletivo com as novas informações adquiridas confrontando-as com as anteriores. Essa proposta de trabalho iniciou na roda de conversa que é o momento e lugar em que abrimos espaço para que as crianças levantem assuntos e tragam sugestões de tema ou até de seus conhecimentos acerca dos
assuntos que estão estudando. A oportunidade de expor idéias, de ouvir as opiniões de outras crianças e de adultos a respeito dos fatos observados possibilitou às crianças recolherem novas informações que as ajudaram a pensar e a elaborar suas próprias teorias sobre o mundo.
E, como queríamos escrever a nossa própria história, começamos com um texto coletivo. Esse tipo de atividade já vem fazendo parte dessa turma, pois é uma forma de registro diário das atividades significativas para ela. O texto coletivo pode ser
visualizado abaixo:
TEXTO COLETIVO: AS PLANTAS
Nós as crianças do pré da professora X, estudamos sobre as plantas. As plantas e as flores são nossas amigas. Precisamos delas para sempre, pois a nossa respiração depende delas. Elas transformam o ar ruim em bom.
Para as plantas crescerem, devemos dar terra, água, cuidados, tirar o mato que está incomodando e da luz do sol e chuva. Para comprovar isso fizemos uma horta suspensa. No começo, molhamos todos os dias, mas agora sempre nos esquecemos. E aconteceu
que elas cresceram, mas só um pouco e logo morreram. Já na nossa outra horta que tinha todos os cuidados, as plantas nasceram e cresceram muito bem. Logo, logo poderemos fazer uma sopa com as hortaliças plantadas que são couve, brócolis, pepino,
milho, feijão, cebolinha, salsa, alface e melancia como sobremesa. Lendo muitos livros, textos, descobrimos por que a folha da árvore é verde. Ela é verde pois tem em sua folha um pigmento chamado clorofila que a deixa dessa cor. Podemos comparar este pigmento com o sangue que circula nas nossas veias.
Todas as plantas sempre nascem de uma semente. E quem guarda as sementes são os frutos. As plantas são muito importantes para o planeta Terra. Vimos isso no passeio que fizemos ao Horto Florestal. Diversos tipos de árvores demoram muito tempo para crescerem. As árvores podem nos dar frutos, sombra. Com elas ainda podemos fazer portas, casa, móveis e até papel, como vimos na fábrica de móveis.
Todas as pessoas sempre precisarão plantar novas árvores para nunca nos faltar ar. Obrigado, Papai do Céu, por nos dar essas maravilhas.
Além do texto, também criamos slogans com frases que chamassem a atenção para a preservação da natureza. Essas frases foram espalhadas pelo Centro de Educação Infantil. As crianças sentiam-se indignadas diante de algumas imagens que encontrávamos durante a pesquisa e também diante das leituras feitas.
A participação das crianças foi além das expectativas. Os comentários, as perguntas, as hipóteses elaboradas pelas crianças são pistas perfeitas para a continuação das atividades seguintes. Quando é algo que interessa, o grupo fica tão concentrado
que são raras as situações de conflito; ao contrário, quando o tema não consegue entreter e envolver a turma, as crianças acabam se dispersando e disputando brinquedos umas com as outras.
O trabalho foi muito significativo para as crianças. Elas participavam com muito entusiasmo. A aprendizagem foi oportunizada a todas e, certamente, os objetivos foram alcançados. Hoje, reconhecem a importância das plantas para a vida no planeta e contribuíram com a sua preservação e conscientização da sociedade.
Concluindo a pesquisa sobre as plantas, resolvemos que a melhor forma de registrar as novas informações seria confeccionar um livro. Nele as crianças deixaram pistas dos conhecimentos construídos durante a vivência do processo. Esse livro é uma
coleta de todas as atividades feitas durante o Projeto. E, diariamente, uma criança o levou para casa a fim de mostrar o que havia aprendido. Os pais opinaram deixando seus recados sobre a nova maneira de trabalhar os conteúdos escolares.
Os conteúdos escolares e, principalmente, o aprendizado da língua escrita foram sendo conquistados a partir do uso da linguagem em situações reais. Aliás, a aquisição da língua escrita é uma das preocupações do educador na Educação Infantil. Mas, no trabalho com projetos, esse conteúdo é apresentado em situações concretas, ou seja, não alheio à escola. Acreditamos no que diz Garcia, (1998, p.93): os conteúdos selecionados para a alfabetização se forem conteúdos extraídos da necessidade da criança conhecer-se e conhecer o mundo à sua volta, a forma, ou seja, o processo de trabalhar esses conteúdos, de possibilitar a apropriação da leitura e da escrita, conseqüentemente, não será o mesmo. A forma, nesse caso, deverá garantir as mais variadas vivências possíveis com a escrita, no seu uso e função social.
Mas, o que vemos é que a grande maioria das escolas só tem contribuído para enquadrar ainda mais a criança a um mundo de conhecimentos escolarizados e superficiais, sem desafio algum, ao invés de ajudá-la a se apropriar prazerosamente de conhecimentos
concretos e reais. De acordo com Garcia (1998, p.94), para se apropriar da linguagem escrita envolvendo situações reais de ensino-aprendizagem nada melhor do que “aprender a ler lendo, aprender a escrever escrevendo”. Para tanto, se faz necessário que as crianças sejam incessantemente desafiadas por situações diversificadas e significativas que as levem a refletir sobre o seu próprio processo de construção do conhecimento experimentando, exercitando a leitura lendo. Em um processo de tentativas, aproximações, confrontos e conflitos, as crianças foram realizando uma conquista pessoal e coletiva, construindo conhecimentos e incorporando-os à sua atividade cotidiana. Segundo Garcia (1998, p.102), “a escola deve ser o espaço privilegiado para plantar a semente do prazer de aprender. Plantar a semente do prazer do aprender significa dar respostas, e não matá-las ou silenciá-las como freqüentemente o fazem o adulto e a escola.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos, através de um levantamento bibliográfico, aprofundar os conhecimentos sobre Projetos de Trabalho.
A pesquisa revelou informações relevantes e de primordial importância para a aplicação dessa proposta de ensino na Educação Infantil que pretende ajudar o indivíduo na construção do conhecimento e na formação do senso crítico.
Trabalhar com projetos, sem dúvida, exigirá mudanças na postura do educador, pois a participação efetiva dos educandos torna-os tão agentes da atividade quanto o professor que deixa de ser o transmissor e detentor dos conhecimentos. Mas, com certeza, o educador que assumir esse tipo de trabalho já tem em mente uma modificação no sistema de educação e sabe que nem sempre é fácil mudar.
Pensar em uma prática pedagógica a partir de projetos traz mudanças significativas para o processo de ensino-aprendizagem. E é função da escola criar essa prática em que os alunos desenvolvem suas capacidades e aprendem os conteúdos necessários para construção e compreensão da realidade, para o exercício de sua cidadania. E, nesse contexto, é o professor que deve valorizar mais a aprendizagem, isto é, valorizar a construção do conhecimento e não a instrução no conhecimento.
Com os Projetos de Trabalho, os alunos não entram em contato com os conteúdos disciplinares a partir de conceitos abstratos e de modo teórico, como, muitas vezes, tem acontecido nas práticas escolares. Nessa mudança de perspectiva, o conteúdo deixa de ser um fim em si mesmo e passa a ser meio para ampliar a formação dos alunos e sua interação com a realidade de forma crítica e dinâmica.
Nos Projetos de Trabalho, não é apenas o professor que decide, mas também os alunos com suas iniciativas e colaborações. O envolvimento dos estudantes tem uma série de efeitos. Faz do tema o seu tema, sendo que, com isso, aprendem a se situarem diante da informação. Leva ao envolvimento de outras pessoas no Projeto. Os alunos descobrem que têm responsabilidade na própria aprendizagem e que não podem esperar o professor oferecer as respostas e soluções. O professor é visto como um facilitador que transforma as referências informativas em materiais de aprendizagem com uma intenção crítica a reflexiva. O que ainda devemos destacar, nessa proposta de trabalho, é a importância do exercício do diálogo realizado com nossas próprias produções, objetivando extrair desses diálogos novos conhecimentos, novas posturas, novos indicadores, novas possibilidades de trabalho.
Antunes (2001), em seu livro “Um método para o ensino fundamental: o projeto”, afirma que a prática de projetos não possa ser, talvez, a única solução, posto que para aproximar a escola da vida não existe uma, mas inúmeras soluções, múltiplos caminhos.
Algumas vezes, esses caminhos são mais palpáveis do que imaginamos, estão muito mais ao nosso alcance do que jamais acreditamos. Vejamos como exemplo a nossa vida. Que outra coisa a nossa vida não busca senão Projetos? E por que não levar esta estratégia para a sala de aula?
.REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Maria Carmem S. e HORN, Maria da Graça Souza. Por
uma pedagogia de projetos na escola infantil. Porto Alegre: Pátio,
n.07, nov. 1998. . Por uma pedagogia de projetos na escola infantil.
Porto Alegre: Pátio, n.07, nov. 1998 / jan. 1999.
HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação na pré-escola: um
olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação,
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FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade - Um projeto
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GARCIA, Regina Leite (Org.). A formação da professora alfabetizadora: reflexões sobre a prática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
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JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de Andrade. Interdisciplinaridade
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LEITE, Lúcia Helena Alvarez. (Org.). Projetos de trabalho: repensando
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BH: Editora Balão Vermelho, 1998.
LIMA, Lauro de Oliveira. Uma escola secundária popular. Ceará:
Imprensa Universitária do Ceará, disponível em
OSTETTO, Luciana Esmeralda. (Org.). Encontros e encantamentos
na educação infantil: partilhando experiências de estágios.
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WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro. São Paulo: Paz e
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