sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A pluralidade cultural e a construção da identidade do professor

"A maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino."
(Nóvoa, 1992)
O professor - enquanto pessoa - constrói a base para o seu crescimento profissional, vencendo as barreiras dos preconceitos e estereótipos, de forma a adquirir competências para ser o mediador do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças.
Refletiremos sobre o tema pluralidade cultural, na ótica de quem ensina. Não a trataremos aqui como um conteúdo a ser ensinado pelo professor, mas sim abordaremos a pluralidade como um locus complexo de representações e interpretações, no qual se situa a prática pedagógica.
O professor, sujeito social, enreda-se numa teia de expectativas e representações, que faz parte de um tecido social, cultural e histórico e que influencia a sua forma de pensar e agir. Mas, ao narrar os seus próprios atos, ele ressignifica a sua prática profissional, retoma a rédea do seu desenvolvimento e dá conta de analisar esse tecido social estruturante.
A temática sobre a pluralidade cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1a a 4a série ressalta que o conhecimento e a valorização das características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais "que convivem no território nacional, as desigualdades socioeconômicas e a crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, levando ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal."
Desta forma, queremos pensar a pluralidade como parte integrante de nossas vidas. Tudo à nossa volta é plural, estamos imersos em um espaço temporal e cultural que é repleto de signos e significados que são expressões e manifestações dos homens: as artes, pinturas, esculturas, os livros, programas da tela de TV, filmes etc. Pensamos, narramos, agimos, inspiramos, sentimos, imaginamos, criamos e transpiramos (não necessariamente nessa ordem), valores, crenças, idéias, histórias de um mundo ao qual pertencemos. Somos, às vezes, o produto (alguns, enlatados de tão reprimidos) de um mundo histórico e cultural, repleto de relações sociais desiguais, sanções, normas e regras etc. Por outras vezes, somos o próprio agente ativo do processo de construção dessas mesmas relações sociais desiguais, sanções/punições e normas, a respeito das quais somos tão insatisfeitos. Portanto, falar do pluralismo na educação implica o ato de repensar a dinâmica das relações sociais professor e alunos e de se reconhecer como um "ser plural" (co) ator, (co) sujeito e (co) produto de uma história local.
Ser plural significa reconhecer a identidade da nossa nação originária de uma miscigenação de raças, culturas, crenças, hábitos, folclores, mitos etc. É perguntar: De onde vieram os nossos pais, tios, avós? Qual o sangue que corre em nossa veia?
Significa entrarmos em contato com nossas origens, com a nossa história que está registrada nos livros didáticos, mas que também é contada e recontada pelos mais velhos, os nossos próprios avós.
Ser plural é reconhecer a educação como inclusiva, no sentido amplo da palavra, não representativa apenas dos portadores de necessidades especiais, mas de todos os "portadores de algo diferente". A educação não pode ser excludente dos diferentes grupos étnicos, raciais, religiosos. São insuportáveis os atos de discriminação social, os preconceitos, o racismo e o anti-semitismo. Mas como esses processos, que tanto criticamos, se aproximam das práticas pedagógicas, e se instalam nas relações escolares, fazendo parte das representações dos professores e alunos?
Sabemos que a representação social "é uma forma de conhecimento presente no senso comum, que expressa valores, conceitos, idéias e crenças compartilhados por um grupo social, e que irão organizar e orientar as condutas desejáveis aplicado ao contexto da escola, esse conceito diz que o "comportamento efetivo que um professor manifesta diante dos seus alunos é sempre e inevitavelmente mediatizado pelo que ele pensa e espera deles, pelas intenções, motivações, capacidades e interesses que lhes atribui e, de modo recíproco, o comportamento efetivo de um aluno será sempre e inevitavelmente mediatizado pelo que pensa e espera do professor.
O professor, a partir da observação dos seus alunos nos primeiros contatos, e de informações indiretas de outros professores, pais, diretores etc., constrói uma representação inicial dos mesmos. Reconhecer os processos que levam o professor a categorizar os alunos e a construir uma representação é uma questão importante, porque nos conduzirá à explicação das diversas formas de exclusão e segregação dos alunos em sala de aula. A imagem ou conceito de "aluno ideal" vêm como resultado de suas experiências pessoais e profissionais, e de fatores ideológicos. A idéia de "aluno ideal" parece seguir um padrão no que diz respeito a certos traços, que significa um perfil de aluno: responsável, motivado, interessado, centrado na tarefa, respeitoso às normas; aliado a esses fatores psicológicos, ainda se incluem fatores físicos.
Os alunos, também, anseiam por um perfil de professor disponível, respeitoso, afetivo, acolhedor e positivo. Outro aspecto importante ligado à representação é a função das expectativas que o exercício do papel social representa. Assim, as expectativas estão diretamente relacionadas ao papel que desempenhamos e à consciência que temos, ou não, de entendermos o modo de ser do outro.
Complementarmente, é a formação de estereótipos que condiciona a percepção dos fenômenos sociais e, às vezes, leva a um "engessamento do pensamento", estabelecendo características rígidas sobre pessoas, fatos ou eventos. Os estereótipos facilmente se transformam em preconceitos e estão freqüentemente ligados às questões de etnias, de religiões, de gênero, bem como às questões culturais, sociais, econômicas etc.
Neste ponto, outra pergunta deve ser colocada: qual o impacto ou resultado de tais representações, expectativas e estereótipos nos processos de aprendizagem dos alunos?
Sabemos que, no microssistema escolar, essa teia de representações mútuas professor-aluno, bem como as expectativas construídas, repercute diretamente nas relações entre eles e no rendimento escolar. Um conjunto de pesquisas iniciadas nos anos 70 investiga essa relação de causa e efeito entre representações e aprendizagem. Os resultados apontam que se o professor estabelece uma atitude diagnóstica escolar, ou preditiva, da performance da atuação da criança, este seu comportamento passa a ter determinações no comportamento da mesma. Também conhecemos esse fenômeno como "profecia do autocumprimento" (termo usado por Merton, no âmbito da sociologia, em 1948), que se refere ao fato de determinadas falas que profetizam ou antecipam um acontecimento podem chegar a modificar a conduta de forma a aumentar a possibilidade de que a profecia se cumpra. Segundo as pesquisas de Jacobson e Rosenthal (1996) "a predição feita por uma pessoa quanto ao comportamento de outra de algum modo chega a realizar-se". O trabalho desses pesquisadores americanos realizados em comunidades de negros e estrangeiros comprovou que determinadas crenças ou pressuposições criam um ambiente de aprendizagem desfavorável para aquelas crianças. Podemos generalizar para o fato de que expectativas positivas por parte dos professores favorecem a aprendizagem dos alunos.
Os resultados dessa pesquisa demonstraram, também, que as crianças que cursam as primeiras séries são as mais afetadas pela expectativa dos professores do que as mais velhas, o que pode ser explicado pela necessidade de serem reconhecidas e valorizadas e estarem em processo de formação de seu autoconceito.
Mas, os estudos apontam que, para haver mudanças nas representações e profecias, há necessidade de uma profunda modificação das expectativas sobre o rendimento escolar por parte dos professores. É necessário que façam uma revisão de seu próprio autoconceito e dos valores simbólicos que atribuem ao ato de ensinar e às relações entre eles e seus alunos.
Importante destacar que alguns autores alertam que os alunos não são totalmente passivos nesse processo, eles podem interpretar e rejeitar a profecia a partir das representações que eles constroem sobre a escola, o professor, a sua capacidade de aprendizagem etc. Dois fatores são importantes nesse processo de autodefesa do aluno quanto às expectativas. O primeiro afirma que é o grau de importância que o aluno atribui à opinião do professor que estará condicionando-o e submetendo-o, ou não, às suas profecias. O segundo diz respeito ao autoconceito que o aluno tem de si mesmo. Definimos autoconceito como um conjunto de características mentais e físicas das crianças e a avaliação que elas têm de si próprias. Inclui três aspectos: o cognitivo (pensamento), o afetivo (sentimento) e o comportamental (ações). O autoconceito se desenvolve em três áreas: auto-imagem, eu ideal, e auto-estima (Lawrence, 1985). A auto-imagem é definida como uma qualidade das características mentais e físicas e a auto- estima é a avaliação individual da discrepância entre auto-imagem e o eu ideal (Lawrence, 1985). Assim, se essas expectativas do aluno sobre si mesmo forem positivas, as representações do professor o afetarão muito menos.
O professor estipula estratégias de ensino diferenciadas para os alunos, de acordo com o julgamento que ele faz de suas capacidades de aprender e de suas competências, ou da ausência delas.
Entretanto, não devemos assimilar esses processos e fenômenos como uma relação de causa e efeito, mas devemos compreendê-las como um processo complexo, de vários embates que se dão entre as representações, expectativas e profecias dos professores e os valores que os alunos dão à escola, o significado e a importância do professor e do ato de aprender para eles, e principalmente, o seu autoconceito.
Entendemos que o papel da escola e do professor na educação deve ser focado na gestão da sala de aula, com práticas não discriminatórias, o professor deve exercer o papel de mediador no processo de desenvolvimento e no fortalecimento do autoconceito, assim, estará possibilitando ao aluno a busca do seu desenvolvimento.
Como o professor irá vencer as barreiras impostas pelos preconceitos e estereótipos sobre o outro?
É necessário que ele compreenda alguns conceitos básicos da formação e construção da identidade do outro e qual o seu papel nessa formação. Para isso, faremos uma rápida revisão dos conceitos de desenvolvimento, e do processo de transformação da criança. Mais adiante, falaremos da construção da identidade do professor e de sua auto-estima.
"O desenvolvimento é um processo dinâmico de transformação de significados partilhados socialmente. Quando modificamos nosso mundo interno, dando novos sentidos e significados à realidade e à nossa vida, estamos ressignificando tanto o mundo externo quanto nosso mundo interno. Estamos, a partir da vida social, formando e organizando nosso pensamento no plano individual."
Desenvolvimento e aprendizagem estão muito interligados pelo processo de internalização, porque nos desenvolvemos a partir das aprendizagens com as pessoas que fazem parte do nosso mundo social.
O pensamento se desenvolve na interação com os outros e por meio do processo de comunicação. Nessa comunicação, a linguagem vai promover a construção de conhecimentos de si e do mundo.
No desenvolvimento das crianças, não podemos esquecer da importância das atividades lúdicas para o processo de aprendizagem; ao brincar, ela internaliza muitos conhecimentos e experiências que fazem parte do seu contexto. "A criança simboliza o mundo ao brincar". A afetividade tem também um papel de destaque no processo de ensino e aprendizagem, ela é expressa pelas emoções. As emoções fazem parte do processo de crescimento, por isso vão se transformando ao longo da vida. Para as crianças no convívio social as suas ações ganham significados diferentes, de acordo com o contexto em que atuam, e trabalhar e reconhecer as emoções faz parte do seu processo de crescimento.
Linguagem e pensamento; desenvolvimento e aprendizagem; afetividade e lúdico são processos que caminham juntos para as pessoas. Por isso devem ser observados e estimulados no dia-a-dia das crianças. Devemos pensar em como elas podem desenvolver esses processos através de atividades bem conduzidas e com recursos próprios da escola e comunidade.
Algumas estratégias de trabalhos em grupos são eficientes:
a) Explorar em subgrupos os temas sobre as questões indígenas, raciais, movimento dos sem-terra, através de confecção de murais, representação de peças teatrais, organização de festas folclóricas;
b) Desenvolver projetos de pesquisa para que as crianças se sintam instigadas a participar das problemáticas ligadas ao seu entorno;
c) Negociar e partilhar responsabilidades eqüitativas na sala de aula e na escola;
d) Trabalhar o lúdico, desenvolver atividades orientadas para brincá-lo como uma intencionalidade para vivenciar o processo de elaboração e representação do mundo.
Vimos que o ato de ensinar possui um diferencial qualitativo, quando o professor está apto para focalizar não apenas o desenvolvimento de habilidades, mas principalmente, para considerar o estado afetivo do aluno e a sua auto-estima, em particular, sem discriminações ou preconceitos.
Outros aspectos relacionados à função da escola e ao papel do professor frente à pluralidade cultural devem ser destacados:
- A escolarização é uma forma de vida institucional fora da família, e a experiência do indivíduo na escola possui um papel crucial na formação do eu. Conseqüentemente, há uma necessidade de boas relações entre professores e estudantes na escola. Os ambientes e comunidades em que a criança vive são extensão da família e devem contribuir para a sua auto- imagem.
- A transição da casa para a escola pode exigir da criança lidar com culturas diferentes, que requerem diferentes disposições e habilidades. Essa transição da casa para a escola pode ser um choque cultural, que pode tornar-se um bloqueio para a criança, podendo gerar um sentimento de exclusão.
- A escola deve conduzir o processo de diversidade e pluralidade cultural no sentido de gerar um sentimento de inclusão dos alunos. Toda essa discussão nos leva a darmos mais atenção aos professores e ao seu processo de desenvolvimento.
Como refletir sua pratica pedagógica? Através de diários? Portfólios? Memórias?
"ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações... O processo de formação pode assim considerar-se a dinâmica em que se vai construindo a identidade de uma pessoa. Processo em que cada pessoa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se a si mesma ao longo da sua história, se forma, se transforma, em interação." Essa abordagem faz parte de um conjunto de pesquisas que privilegia o trabalho através do relato de experiências, e construção da história de vida com o objetivo de investigação e de formação. A nosso ver, abordagens introspectivas como essa podem alavancar o progresso dos estudos sobre a formação de professores.
Através dos registros, o professor poderá reconhecer na macro-história a sua história pessoal e na teia social o seu papel como sujeito. A elaboração de registros proporciona momentos significativos de aprendizagem, resultando em "saltos" de crescimento pessoal.
O registro é uma forma de arquivo para análise de suas representações, idéias, tematização da prática pedagógica e revelação do percurso de formação do professor. A partir desses registros, os professores são instigados a reconstruir as suas histórias de vida e sua identidade profissional.
Ao reconstruir suas experiências em um ambiente planejado e organizado para a formação, ocorrem múltiplos processos de desenvolvimento, principalmente, pela via do afeto e emoções.
Portanto, o registro é uma espécie de "diário", no qual o professor vai escrevendo e contando sobre o que está sentindo, refletindo, vivenciando durante o seu processo de formação. É um documento rico e dinâmico, elaborado de forma gradual pelo professor, no qual devem estar presentes os afetos e desafetos, os acertos, as vitórias, os avanços, mas, também, as falhas, os momentos de desânimo, as paradas, as dúvidas. Reconhecer vontades, gestos, experiências, acasos, reelaborar os equívocos e erros perceptivos que foram revertidos para ações, comportamentos e atitudes em sala de aula é o passo decisivo para repensar sua prática pedagógica, ampliando o seu conhecimento sobre si e sobre o mundo.
Sabemos que na escola revelam-se os valores, os costumes e as crenças da sociedade e das pessoas. Em meu ponto de vista, a escola (comunidade/professor/aluno) tem que unir as forças para atender às necessidades que surgem no contexto da comunidade, modificando a postura, os métodos de ensino e os conteúdos e, sobretudo, os nossos objetivos que devem estar centrados no respeito à diversidade cultural, à ética e à cidadania. Revendo nosso papel social, e se deslocando de praticas discriminatórias, autoritárias que ainda praticamos.
Trabalhar com as pluralidades culturais significa reconhecê-las em si próprio, perceber-se como indivíduo conflitivo, de discursos variados e por vezes contraditórios.
Não se pode ter uma visão fechada. Importando apenas com o conteúdo e não com os relacionamentos dos alunos uns com os outros. É preciso respeitar o seu modo de pensar e a sua cultura. É claro que muitos profissionais ainda precisam refletir e mudar totalmente sua pratica e sua postura nesse sentido.
Quando os alunos trabalham em grupo perdem aquele preconceito de não querer sentar com o colega porque ele é negro, pobre ou de outra religião; é fazer enxergar que todos são iguais. Enxergar de maneira diferenciada que o mais importante é o relacionamento entre os alunos e para que isso aconteça tem que ter respeito um pela cultura do outro.
Direcionar a realidade do aluno perguntando-se, o que esta trabalhando é importante para a sobrevivência do aluno, se tem função social. Respeitar a diversidade do aluno, a ética e a cidadania.
Como podemos trabalhar a diversidade cultural dentro da sala de aula?
De forma que o aluno compreenda que tudo que o envolve é cultura, a maneira dele se vestir, dormir, alimentar; trabalhar para que ele valorize a cultura que ele tem, para que entenda que existe outro tipo de cultura, que passe a valorizar a cultura dele e respeitar a cultura dos outros, que pode ser diferente da dele.
Quando ampliamos os conceitos sobre cultura, trabalhamos de forma diferenciada com os alunos.
Uma escola que não reconhece a pluralidade como um locus promissor de aprendizagem das diferenças, do respeito mútuo, da solidariedade é uma escola morta, uma educação sem vida que valoriza somente os iguais e os padrões de normalidade.
Ressignificar a nossa prática, plantando na escola as árvores do respeito mútuo, da tolerância e da solidariedade, é uma etapa fundamental para gestão do plural em sala de aula.
É percebível o quanto precisamos mudar as nossas lentes de percepção do mundo, tomarmos banho de realidade, encararmos as diferenças como ponto de partida para a compreensão dos aspectos históricos e culturais do nosso país... Vermos que em nossas veias correm sangues de negros, brancos e de vários outros grupos étnicos. Precisamos construir um Projeto de Nação orientado para a valorização da escola plural, aí, então, poderemos iniciar uma nova era na educação dos cidadãos brasileiros.

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