domingo, 10 de julho de 2011

ALUNOS COM DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM

A dificuldade de aprendizagem tem sido um dos grandes problemas da educação brasileira. No entanto, ela ainda permanece como um tema controverso: professores, médicos, fonoaudiólogos psicopedagogos e outros especialistas de áreas diversas têm opiniões muitas vezes conflitantes em relação as suas causas. A ela sempre estiveram relacionadas explicações discriminatórias e preconceituosas que acabam por estigmatizar os alunos que a possuem.
Com este trabalho procuramos descobrir quais as características de um aluno com dificuldades de aprendizagem e qual o melhor encaminhamento diante desta situação. No entanto, não pudemos fazê-lo sem abordar desde uma perspectiva critica os problemas de aprendizagem e o encaminhamento dado a esta questão pela escola e pelo sistema de saúde em geral. Procuramos relativizar o que seja um “problema de aprendizagem” baseado em bibliografia crítica.
Realizamos, ainda, uma sondagem com professores para observar qual postura os mesmos mantêm diante de alunos que não possuem um rendimento escolar considerado satisfatório. Salientamos que os questionários utilizados para a sondagem (apenas dois) não nos garantem uma representatividade confiável a generalizações. Eles apenas nós servem como um indicativo do pensamento de alguns professores, que atuam em escolas públicas e privadas, diante do problema da dificuldade de aprendizagem.
A dificuldade de aprendizagem é um assunto vivenciado diariamente por educadores em sala de aula. Segundo a autora Juliane Fischer, as crianças com problemas de aprendizagem constituem um desafio em matéria de diagnóstico e educação.
Não é raro encontrar professores que rotulam alguns alunos como preguiçosos e desinteressados, e atribui a esses alunos certos adjetivos por falta de conhecimento sobre o assunto em questão. Segundo Fischer, muitos desses professores desconhecem que essas crianças podem estar apresentando algum problema de aprendizagem de ordem orgânica, psicológica, social ou outra.
O professor enfatiza muito a importância do conhecimento do conteúdo da disciplina a ser lecionada por ele, esquecendo de que é professor. Os alunos estão em sala de aula para aprender, mas a forma como a matéria é ensinada deve ser tão importante quanto à própria matéria. Talvez a maior dificuldade no relacionamento entre educadores e crianças com problemas de aprendizagem, seja por falta de uma visão global do ser humano, pois a tendência atual é analisar a criança parte por parte. Segundo Davis, se o professor e seus alunos conseguirem estabelecer em sala de aula, uma atmosfera de respeito mutuo, bases de desacordos compreendidos, onde “errar” não significa falta de conhecimento, mas sim sinal que uma estrutura está em construção, pode se dizer que a interação social do grupo é constitutiva de um novo saber. Também salienta que problemas de aprendizagem sempre existirão, e que isso é maravilhoso, porque por trás do erro de um aluno, está à oportunidade de descobrimos como ele organiza seu pensamento. Aquele aluno que decora não aprende com real significado, mas aquele que erra nos mostra que esta pensando, elaborando seu conhecimento, construindo seu saber. O professor ao defrontar com os erros de seus alunos precisa questionar o porquê daquela resposta e então começar entender como eles pensam.
Tradicionalmente associou-se a dificuldade de aprendizagem entre outras coisas, a alguma deficiência cerebral, relacionada a carências culturais, a privações econômicas e estruturais, ou a desnutrição. Nessa perspectiva o fracasso escolar era responsabilidade da criança que não aprende, ou de suas carências, mas, de qualquer forma, irremediável desde o ponto de vista educacional. A escola seria, então, isenta de qualquer responsabilidade no fracasso do desempenho escolar.
Durante a década de 70, no Brasil, difundiu-se o rótulo de “Disfunção Cerebral Mínima” (DCM) para as crianças que não atingissem o nível escolar esperado. Em pouco espaço de tempo esse rótulo já era largamente empregado de maneira que a população de alunos com DCM chegou a 40%. Essa e outras concepções patologizante explicavam os problemas escolares de repetência e evasão sob um aspecto biológico, e serviam ideologicamente para dissimular a natureza dos problemas sócio-pedagógicos ao mesmo tempo que legitimava as desigualdades, inerentes ao sistema educacional, de oportunidades e seletividade. Kiguel ao analisar a normalidade e a patologia no processo de aprendizagem escolar nos mostra como a compreensão do processo de aprendizagem humana tem sido reformulada desde o ponto de vista da psicopedagogia. Nessa perspectiva o meio (família, escola, sociedade) teria, então, influência no desenvolvimento da aprendizagem da criança. Assim, os percalços escolares de muitos alunos são compreendidos não como patologias dos mesmos, mas como resultados de uma complexidade de fatores relacionados inclusive ao contexto sócio-político-cultural. A psicopedagogia tenta entender como esses fatores (sócio-econômicos, escola, e professores) são assimilados pela criança gerando determinadas condições internas que irão favorecer ou prejudicar a aprendizagem. Interessante observar também que a dificuldade de aprendizagem gera estranhamento em todas as esferas envolvidas. Primeiramente, na família que antes do ingresso da criança no sistema educacional formal não havia detectado nenhum tipo de “anormalidade” no comportamento dessas crianças. Depois, a escola que não entende por que determinadas crianças não aprendem. E por fim, mas não menos importante, as próprias crianças que não entendem o ambiente escolar e suas atividades e que acabam por incorporar o rótulo de dificuldade de aprendizagem. Kiguel relativiza, ainda, que o bom desempenho escolar possa ser fator determinante na avaliação da normalidade de aprendizagem. Ela mostra que as rotinas escolares podem, por vezes, esconder patologias. Como, por exemplo, a disciplina escolar que pode ser um fator incentivador do embotamento afetivo, ou ainda a reprodução mecânica que pode fomentar condutas intelectuais obsessivas. Temos ainda que considerar o aspecto cognitivo, visto que, em muitas escolas “exige-se que as crianças reproduzam, memorizem e copiem e não que transformem, observem e expliquem” (KIGUEL, 1990), ou seja, um conhecimento sem compreensão. O conceito DCM está “ultrapassado”, e a psicopedagogia tem tentado entender o processo de aprendizagem levando em consideração o meio em que a criança vive, mostrando esse processo como histórico. No entanto, as dificuldades de aprendizagem continuam sendo, na maioria das vezes, vistas como competência das crianças e de suas famílias, ignorando totalmente a atuação da escola na produção de tal deficiência. Como nos mostra o estudo de Moysés e Collares, na referida pesquisa realizada pelas pesquisadoras, profissionais da saúde e educação apontaram o que entendem por causas das dificuldades de aprendizagem: “Do mesmo modo que todos referem causas centradas na criança, todos referem problemas biológicos como causas importantes do não-aprender na escola. Na opinião destes profissionais, os problemas de saúde das crianças constituem uma das principais justificativas para a situação educacional brasileira. Dentre os problemas citados, merecem destaque a desnutrição, referida por todos, tanto da educação como da saúde, e as disfunções neurológicas, referidas por 92,5% das 40 professoras e 100% dos 19 profissionais de saúde (médicos, psicólogos e fonoaudiólogos)” (MOYSÉS ; COLLARES, 1997)  Tais profissionais, diferentemente do que se esperava de especialistas da área, repetem em seus discursos sobre a dificuldade de aprendizagem "preconceitos e formas de pensamento cristalizadas e não conhecimentos científicos, como seria lícito supor” (MOYSÉS ; COLLARES,1997). As crianças são submetidas a diversas avaliações de diferentes profissionais que pretendem avaliar o que de antemão já se sabia que elas não sabiam. Assim, as autoras criticam a pretensa neutralidade das avaliações médicas e psicológicas que nada mais fazem que justificar as desigualdades sociais a partir de testes de inteligência baseados em uma cultura elitista e servindo a ideologias políticas. As autoras lembram que os testes de inteligência idealizados por Galton tinham finalidades eugenistas e que os testes aplicados hoje ainda são baseados no eugenismo e no socialdarwinismo. Desta forma as autoras propõem um outro olhar a respeito das dificuldades de aprendizagem: “Não se está pretendendo tecer elogios à pobreza, ao contrário. O que se está colocando é que esse máximo de inteligência possível é construído histórica e socialmente. Isto é totalmente diferente de se afirmar que haveria uma determinação genética, linear, exclusiva, desse máximo ou, como se costuma falar, do potencial intelectual. Assim como o desenvolvimento das possibilidades de pensamento é histórico, o olhar dirigido às possibilidades de pensamento de uma criança necessita ser historicamente focalizado. A barreira imposta, cultural e politicamente, às possibilidades de desenvolvimento de crianças normais é que deve ser objeto de análise, na busca de modos de enfrentamento e superação, e não o seu produto - a diferença construída entre crianças - transformado em mais uma justificativa para a desigualdade social.” (MOYSÉS ; COLLARES, 1997)
Então que as autoras se propuseram em sua pesquisa a uma outra forma de avaliação das potencialidades intelectuais centrada no conhecimento, nos gostos e no contexto de cada criança. Surpreendentemente as crianças rotuladas como dificuldade de aprendizagem apresentaram desempenho convencionalmente dito “normal” e muitas vezes até superior a esse padrão. “Apenas o expressam de acordo com os valores do meio social em que se inserem. Uma expressão que não é reconhecida pela Psicologia e pela Medicina, que não tem valor para médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, etc. Não está inscrita nos instrumentos de avaliação, nos testes de inteligência” (MOYSÉS ; COLLARES, 1997).  Para além deste levantamento crítico a respeito das dificuldades de aprendizagem, para nós licenciandos, como identificar as dificuldade de aprendizado e o como proceder a partir de então? Alguns comportamentos tipos nos alunos com dificuldades de aprendizagem:  (...) atividade motora: hiperatividade ou hipoatividade, dificuldade de coordenação...(sic!); atenção: baixo nível de concentração, dispersão...; área matemática: problemas de seriações, inversão de números, reiterados erros de cálculo...; área verbal: problemas na codificação/decodificação simbólica, irregularidades na lectoescrita, disgrafias...; emoções: desajustes emocionais leves, baixo auto-estima...; memória: dificuldade de fixação; percepção: reprodução inadequada de formas geométricas, confusão entre figura e fundo, inversão de letras...; sociabilidade: inibição participativa, pouca habilidade social, agressividade... (ZACARIAS, 2008 )
Zacarias aconselha aos professores que se deparam com alunos com problemas de aprendizagem a manter uma postura compreensiva e não uma postura excludente. “Esta é uma visão que tenta superar a concepção patológica tradicional dos problemas escolares que se apóia em enfoques clínicos centrados nos déficits dos alunos e em tratamentos psicoterapêuticos em anexo aos processos escolares” (ZACARIAS, 2008). Prevalece no ambiente educacional a heterogeneidade dos alunos, cada qual com suas particularidades e necessidades e expectativas diversas em relação ao ensino. Cada aluno possui seu próprio ritmo, maneira de aprender e nível especifico, a aprendizagem, assim, não depende apenas dele, mas também se o professor considera o nível do aluno a cada nova tarefa de aprendizagem. O professor não pode ignorar esses fatores, existe a necessidade de individualizar o ensino.
A autora ressalta que o ensino, mesmo em classes tradicionais, já é individualizado isso por que: o professor interage de maneira diferenciada com os alunos (a alguns dá mais atenção, a outros repreende, etc.), os ritmos de trabalho dos alunos são diferentes. Assim, nenhum aluno terá o mesmo percurso educativo, na realidade o currículo real já é personificado. A proposta então é que os professores personifiquem o ensino deliberadamente para melhor dar conta das necessidades dos alunos. A autora ainda levanta muitos questionamentos a respeito do atual sistema de ensino que, segundo ela, procura formar alunos em série evidenciando desta forma a diferença e expulsando os alunos do sistema de ensino sob a desculpa que eles têm dificuldades de aprendizagem. Quando na realidade, esses alunos rotulados como tendo dificuldades de aprendizagem e encaminhados para consultórios e clínicas, encontram dificuldades de aprendizagem reativas, produzidas e expandidas pela escola. A escola tende a padronização do ensino e a valorização dos saberes verbal e matemático. É preciso que ela valorize também o saber que o aluno já possui e que ele seja incentivado a mostrá-lo. “Portanto, diversificar as situações de aprendizagem é adaptá-las às especificidades dos alunos, é tentar responder ao problema didático da heterogeneidade das aprendizagens, que muitas vezes é rotulada de dificuldades de aprendizagens” (ZACARIAS, 2008).

CONCLUSÃO
A partir das entrevistas coletadas pudemos constatar alguns pontos que foram enfatizados no trabalho através da bibliografia. Em ambos os questionários as respostas à cerca dos problemas desencadeadores da dificuldade de aprendizagem do aluno apontam para situações familiares, para causas orgânicas, emocionais, ou sociais. Em nenhum momento da entrevista é mencionada a possibilidade de uma inadequação pedagógica, curricular ou metodológica. Não queremos desconsiderar que, por exemplo, problemas emocionais possam desassossegar os alunos e fazer com que seu rendimento decline. O problema aqui é o fato de que a escola tenha sido desconsiderada enquanto um ambiente em que a criança convive, e que, portanto, influi em seu desempenho. O segundo ponto a salientar é a medicalização dos problemas escolares. A escola diante de um aluno com dificuldade de aprendizagem rapidamente o encaminha para o sistema de saúde onde deverá ser dado o diagnóstico. Em nenhuma das entrevistas é relatada a possibilidade de tentar submetê-lo a um método de aprendizado diferenciado antes de encaminhá-lo a especialistas da área da saúde para o diagnóstico. As entrevistas confirmaram o que já demonstramos a partir da bibliografia levantada de que o problema de aprendizagem ainda é popularmente, e também por parte de muitos profissionais que lidam com esse problema, visto como um problema centrado na criança. A escola continua sendo isenta em relação à produção dessas dificuldades

BIBLIOGRAFIA

ZACARIAS, Vera Lúcia Camara F. O que são realmente dificuldades de aprendizagem? Disponível via http://www.centrorefeducacional.com.br/adificeis.htm. Acesso em 21 Mai 2008.

KIGUEL, Sônia Maria Moojen. Normalidade x patologia no processo de aprendizagem: abordagem psicopedagógica. Em: Psicopedagogia abpp, São Paulo, v.10, p.15-19, out. 1990.

MOYSES, Maria Aparecida Affonso; COLLARES, Cecília Azevedo Lima. Inteligência Abstraída, Crianças Silenciadas: as Avaliações de Inteligência. Psicologia USP, São Paulo, v.8, n.1, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 5641997000100005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 25 Mai 2008.

MOYSES, Maria Aparecida Affonso; COLLARES, Cecília Azevedo Lima. A transformação do espaço pedagógico em espaço clínico (a patologização da educação). Série Idéias, n.23, São Paulo: FDE, 1994. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_23_p025- 031_c.pdf. Acesso em: 25 Mai 2008.